Fui finalmente ver o Milk. Foi difícil, mas valeu a pena.
Começando pelo princípio, o filme abala sem piedade os que, como eu, se acham tolerantes e nada homofóbicos. Há uma simpática facilidade em enterrarmos a nossa homofobia latente quando ligamos a homossexualidade a personagens românticas como Antoine Blanche ou Sebastian Flyte, a homens do calibre de Summerset Maugham, a casais do gabarito de Saint-Laurent e Pierre Bergé. Têm uma allure alternativa, o charme do mistério, mas o mais longe que vamos é imagina-los a discutir a compra de um Basquiat, a trocar petit-fours em robes de seda num riad de Marrakesh ou, ao limite, a dançarem Gloria Gaynor frívolos num bar de South Beach. Convenientemente, nunca ultrapassamos a porta do quarto, o que nos permite ser civilizados e abertos.
Nos primeiros minutos do filme, há uma cena de engate nas escadas do metro, beijos na boca e uma cena de sexo. Num ápice, viramos a cara, sentimo-nos desconfortáveis e lá se vai o nosso lado politicamente correcto. Quando se trata de Sean Penn, um tipo duro que admirávamos, a coisa torna-se ainda mais difícil.
Gus Van Sant filma a realidade nua e crua, sem rodeios nem falsos moralismos; a cor, o grão, o movimento de câmara, oscilam entre o biopic e o documentário. Sem romantismo, mostra-nos um Milk que se assume como uma "bicha", manipulador, frio quando necessário, ambicioso e promíscuo. Um homem que foge de uma cidade por falta de coragem para assumir a sua condição e que, chegado a uma nova cidade, vê a oportunidade de criar uma nova vida de sucesso às custas da condição que o fez fugir. Milk é o político em estado puro, vê uma oportunidade e agarra-a; vê uma possível comunidade e lidera-a, organiza-a, dá-lhe dimensão e espaço. Tem uma noção perfeita da mensagem e do tempo, do poder da rua e da força dos media. Pragmaticamente, troca amigos por oportunidades (viria a custar-lhe a vida), princípios por eficácia.
Até agora, parecerá que detestei Harvey Milk. Nada mais errado. O facto de Gus Van Sant nos mostrar o homem real, coisa inédita nas análises biográficas, não retira a Milk o mérito de ter lutado por uma causa que precisava de um líder, de ter ajudado uma comunidade incompreendida e, muitas vezes perseguida.
Vemos hordas de gente muito diferente de nós, com modos de vida alternativos ao nosso, mas, ainda que o diferente nos assuste, falamos de gente que tem direito ao seu lugar no mundo, a ser respeitada e a ser protegida de qualquer tipo de discriminação; afinal, essa coabitação em respeito mútuo permanente é o mínimo exigível a quem se tem por humano e civilizado.
Do outro lado, surge a América hiper-conservadora e ultramontana, moralista e hipócrita; os fariseus que tanto incomodaram o próprio Reagan e estiveram na base da perdição de George W.. Eles ajudam-nos a perceber a estupidez da exclusão, a sobranceria da intolerância, a arrogância da pretensa superioridade moral. Dão-nos vontade de marchar ao lado de Milk!
É um filme a ver, uma obra que nos confronta com a nossa posição perante a realidade e não perante os estereótipos confortáveis de que nos socorremos frequentemente. É a constatação de que não temos de gostar de determinada realidade ou circunstância para lhe termos o devido respeito e atribuir a devida dignidade. Ás vezes precisamos de um abanão assim.
Começando pelo princípio, o filme abala sem piedade os que, como eu, se acham tolerantes e nada homofóbicos. Há uma simpática facilidade em enterrarmos a nossa homofobia latente quando ligamos a homossexualidade a personagens românticas como Antoine Blanche ou Sebastian Flyte, a homens do calibre de Summerset Maugham, a casais do gabarito de Saint-Laurent e Pierre Bergé. Têm uma allure alternativa, o charme do mistério, mas o mais longe que vamos é imagina-los a discutir a compra de um Basquiat, a trocar petit-fours em robes de seda num riad de Marrakesh ou, ao limite, a dançarem Gloria Gaynor frívolos num bar de South Beach. Convenientemente, nunca ultrapassamos a porta do quarto, o que nos permite ser civilizados e abertos.
Nos primeiros minutos do filme, há uma cena de engate nas escadas do metro, beijos na boca e uma cena de sexo. Num ápice, viramos a cara, sentimo-nos desconfortáveis e lá se vai o nosso lado politicamente correcto. Quando se trata de Sean Penn, um tipo duro que admirávamos, a coisa torna-se ainda mais difícil.
Gus Van Sant filma a realidade nua e crua, sem rodeios nem falsos moralismos; a cor, o grão, o movimento de câmara, oscilam entre o biopic e o documentário. Sem romantismo, mostra-nos um Milk que se assume como uma "bicha", manipulador, frio quando necessário, ambicioso e promíscuo. Um homem que foge de uma cidade por falta de coragem para assumir a sua condição e que, chegado a uma nova cidade, vê a oportunidade de criar uma nova vida de sucesso às custas da condição que o fez fugir. Milk é o político em estado puro, vê uma oportunidade e agarra-a; vê uma possível comunidade e lidera-a, organiza-a, dá-lhe dimensão e espaço. Tem uma noção perfeita da mensagem e do tempo, do poder da rua e da força dos media. Pragmaticamente, troca amigos por oportunidades (viria a custar-lhe a vida), princípios por eficácia.
Até agora, parecerá que detestei Harvey Milk. Nada mais errado. O facto de Gus Van Sant nos mostrar o homem real, coisa inédita nas análises biográficas, não retira a Milk o mérito de ter lutado por uma causa que precisava de um líder, de ter ajudado uma comunidade incompreendida e, muitas vezes perseguida.
Vemos hordas de gente muito diferente de nós, com modos de vida alternativos ao nosso, mas, ainda que o diferente nos assuste, falamos de gente que tem direito ao seu lugar no mundo, a ser respeitada e a ser protegida de qualquer tipo de discriminação; afinal, essa coabitação em respeito mútuo permanente é o mínimo exigível a quem se tem por humano e civilizado.
Do outro lado, surge a América hiper-conservadora e ultramontana, moralista e hipócrita; os fariseus que tanto incomodaram o próprio Reagan e estiveram na base da perdição de George W.. Eles ajudam-nos a perceber a estupidez da exclusão, a sobranceria da intolerância, a arrogância da pretensa superioridade moral. Dão-nos vontade de marchar ao lado de Milk!
É um filme a ver, uma obra que nos confronta com a nossa posição perante a realidade e não perante os estereótipos confortáveis de que nos socorremos frequentemente. É a constatação de que não temos de gostar de determinada realidade ou circunstância para lhe termos o devido respeito e atribuir a devida dignidade. Ás vezes precisamos de um abanão assim.
Ah... e ainda que custe, Sean Penn faz mais um papel impressionante.
2 comentários:
de paneleiros sabes tu
Agradeço o seu comentário, mas é exagerado.
Não tenho a pretensão de perceber, mas vou observando e aprendendo, com respeito. Hoje, por exemplo, fiquei a saber duas coisas: que tratam toda a gente por tu e que se levantam cedo e entram na net ás primeiras horas da manhã...
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