Regresso com alguma frequência aos livros do meu passado, neste caso, da minha infância, ou pré-adolescência como assepticamente hoje se diz.
Li aos doze anos três autores que deixaram marca para sempre: Torga, Alphonse Daudet e Marcel Pagnol. Ao folhear com renovado encanto La Gloire de Mon Père, dou-me conta da importância das grandes descobertas de uma vida normal, dos grandes dilemas, acontecimentos dramáticos e alegrias intensas que experimentamos, que vivemos no nosso universo intimo, que guardamos ciosamente dos outros.
Pagnol, no autobiográfico Marcel, vive intensamente os tais filmes interiores, quase como quem deixa o olhar à solta num café ou numa carruagem de comboio, criando vidas para os personagens que nos cercam, furtando-nos da nossa presença, da participação. Naquelas férias, olha-se de fora, porque se subtrai à familia, à gloire de son père. Mas, o que alguns vêem como capitulação, eu vejo como redenção: a retenção da carta; o regresso assumido a um sentido de pertença, que Joseph, o pai, lhe vai recordando pelo discreto abordar do seu conteudo ao longo dos tempos seguintes. Dir-se-ia que é a história do desmoronar de um mundo que nunca foi, da fuga que não se faz de um lugar onde sabemos que pertencemos. Assusta-nos, frequentemente, este desvio dos enormes feitos que esperamos de nós e dos outros, mas a coragem está muitas vezes nessa aceitação da vida normal.
E é aqui que me vem à cabeça uma frase batida, esta do Tartarin de Tarascon de Daudet: Où serait le mérite, si les héros n’avaient jamais peur ?
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