segunda-feira, 28 de julho de 2008

Miseráveis e caladinhos

Há tempo demais que ando a ouvir gente demais largar a douta bujarda: "Os portugueses andam a viver acima das suas possibilidades e têm de acordar para a realidade!"
O problema da sentença é a generalização; há, de facto, alguns portugueses nesta condição, há diferentes grupos de portugueses nesta circunstância, não se pode é generalizar. Pior, quando algumas luminárias proferem a eloquente constatação, pretendem atingir precisamente aqueles que menos abusam porque menos podem. Querem menorizar o pobre chefe de família que ousou arriscar um Fiat Punto para o passeio domingueiro com a prole que mal lá cabe, o operário que sonhou com um televisor de cem contos e cedeu à tentação, a criada que pensou que uma play station elevava o seu filho ao patamar dos da patroa.
Estes ditos liberais ou neo-liberias, acham natural que os maus serviços de saúde que o estado presta ainda se reduzam mais, não lhe interessa que a escola pública esteja em colapso, que a justiça só se possa abordar com baterias de advogados caríssimos que tudo resolvem, que as zonas mais desfavorecidas sejam antros inseguros. É que eles têm o privado, o dinheiro e o poder.
Num país que tem uma imensa classe média/baixa e baixa com salários miseráveis para um custo de vida de nível europeu, como se poderá acusar esta gente de vida acima das posses, dum aparente fausto? Porque precisam de um tecto para viver? Porque sonharam com um carro novo, pequeno, inseguro mas carregado de impostos? Porque sublimam as dificuldades com a aquisição de um telemóvel? Porque, aqui e ali, porque humanos, cometem uma extravagância que os aproxime por um breve momento dos "outros"? Eu recuso-me a julgar esta gente, seja com estupida arrogância, seja com falso paternalismo.
Há, de facto, alguns portugueses a viver acima das possibilidades. São os tais dos salários escandalosamente altos para a média do país. São os que ocupam os lugares por favor e não por mérito. São os que ostentam despoduradamente às custas dos que ficam cada vez com menos margem. São os que crónicamente enriquecem sem ética, usurpam sem escrupulos e nada fazem pelo país. São, também, os imbecis que sacodem a água do capote, acusam os mais fracos, justificam os fortes, e criam a ilusão de uma realidade torpe.
O que quererá esta gente? Que os tais portugueses que cometeram a suprema heresia de um consumo mínimo, deixem de consumir de todo? Que se alegrem na sua miséria porque Portugal é assim mesmo: meia dúzia de espertalhões e o resto, bem, o resto... miseráveis e caladinhos!

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