segunda-feira, 30 de junho de 2008

Campeão Português!


Era uma marca de sapatos famosa, hoje é um estado de alma. De vez em quando, abate-se sobre o país uma onda psicótica de alteração do real, de muito difícil explicação. Houve, desde a preparação do Europeu, um clima de ambição desproporcionado, primeiro porque desconsiderava os adversários em jogo, depois porque esquecia que o futebol é um jogo dado aos maiores imprevistos. Na minha óptica, tivemos uma participação decente, jogamos bem, não tivemos sorte; é a vida. Na óptica da generalidade dos portugueses, a culpa é do Scolari, a culpa é do Ricardo, a culpa é do árbitro, a culpa seria do Camões, não tivesse morrido a tempo de escapar...
Quando, muito bem, Scolari pediu ânimo pátrio e bandeirinhas no apoio à selecção, ambicionava um bom ambiente para a sua equipa e alegria para o país; em troca teve um monstro ansioso, implacável com qualquer falha do seu novo brinquedo. A verdade, nua e crua, é que os portugueses exigiram à selecção o que não são capazes de ser enquanto país.
No último fim-de-semana vivemos um ambiente perfeitamente surrealista. Sem pés nem cabeça. Por todo lado se viam bandeiras castelhanas, o povo catatónico pretendeu que uma vitória espanhola seria também, de alguma forma, sua! Meio manco, zarolho e desnutrido, consumar-se-ia o Campeão Português!
O que os Felipes não conseguiram, houve quem desse ontem de bandeja, gritando anormalidades como: "Hoje somos todos espanhóis!". Todos, menos eu, pelo menos!
A excitação das viagens longas e exóticas toldou um certo norte que se deleita na rústica Galicia com uns requintados mejillones a la prestige, que exulta com o achamento de uma super bock em paragens tão longínquas, que acredita que Bora-Bora é um bar de Sanxenxo, destino de eleição do jet-set. Devem ter sido estes novos descobridores, felizes turistas de longo curso, temerários aventureiros em destinos exóticos, que ontem se pavonearam por aí de camisola castelhana, de pinturas tribais de amarillo y rojo na face ruborescida por um entusiasmo incompreensível e indesculpável.
Sem paixão nem entusiasmo, teria preferido uma vitória alemã. Teríamos sido eliminados pelo campeão, aliviaria alguma carga, criaria nos mais azedos uma razão para entender a derrota dos nossos.
Last, but not least, tenho a certeza que, por muita vida que Deus me dê, nunca verei um castelhano eufórico com as vitórias lusas, e bandeirinhas portuguesas tatuadas na bochecha, só se os apanharmos à má fé em coma alcoólico.

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