Para mim, este é o post mais difícil de escrever até hoje. Sou um activista pró-vida convicto, abomino o aborto e qualquer legislação que abra portas à sua facilidade. Sou crente, católico, frequento assiduamente a Igreja e tento, com as limitações pessoais de homem imperfeito, ser praticante.
No Brasil, em Pernambuco, uma menina foi sistemáticamente abusada pelo padrasto desde os seis anos. Agora, com nove anos, 1,36 metros e 33 quilos, a menina que se queixava de dores de barriga agudas e mal estar geral, foi internada e foi-lhe diagnosticada uma gravidez. Eram gémeos. Os médicos e a mãe, perante o risco de vida da menina, optaram por salvá-la e levaram adiante o aborto. A menina está a recuperar, pensando ter-se tratado de uma infecção intestinal por parasitas.
Estamos perante dois factos horríveis e uma decisão terrível. Primeiro, uma criança inocente, desprotegida, abusada, violada repetidamente por um elemento da família. Depois, o aborto, a morte de dois seres humanos inocentes, também eles desprotegidos, vulneráveis. Por fim, a decisão terrível dos médicos e da mãe: escolher entre que vida salvar; uma decisão humanamente impossível, que nunca tem um desfecho satisfatório.
Esta situação é uma tragédia para todos os envolvidos e, exceptuando o padrasto que deveria passar o resto da vida atrás de grades, os restantes envolvidos deveriam poder seguir com a vida em paz. A minha maior preocupação é com a menina, como será possível devolver-lhe alguma da felicidade a que toda a infância tem direito, como assegurar que o seu futuro ultrapasse as marcas deste passado sombrio.
Para minha enorme perplexidade, vejo o arcebispo de Olinda e Recife, José Cardoso Sobrinho, excomungar publicamente a mãe da menina e os médicos que a trataram. De fora da excomuhão ficou o padrasto violador, porque para o arcebispo a situação resume-se assim: "Ele cometeu um crime enorme, mas não está incluído na excomunhão. Foi um pecado gravíssimo, mas, mais grave do que isso, sabe o que é? O aborto, eliminar uma vida inocente".
O Vaticano veio em auxílio do arcebispo, considerando a pena justa, dizendo que o valor da vida deve ser sempre protegido acima de tudo.
Estou plenamente de acordo com a defesa intransigente da vida, mas que diriam estes ilustres prelados caso a opção fosse a oposta? E se deixassem morrer a menina para salvar os gémeos? A vida dela valeria menos? Seria bem vista pela via sacrificial absoluta que teria sido a sua vida?
Fiz duas campanhas pela vida acompanhado de padres católicos que sempre disseram com enorme sensibilidade, que num caso de violação, o aborto seria sempre uma tragédia, mas que ninguém em consciência poderia julgar ou condenar a mulher ou intervenientes, dadas as circunstâncias extremas da situação. Neste caso, a menina nem sabia da sua situação; foram os adultos que, em face de dois males, optaram pelo que lhes pareceu menor.
Há casos em que, um silêncio prudente da Igreja dos homens, serviria muito melhor a Igreja de Deus.
A menina precisa de condições, protecção e anonimato. O arcebispo negou-lhe tudo isto.
No Evangelho de hoje, Mateus lembra-nos um aviso feito por Jesus Cristo sobre os doutores da Lei e os Fariseus: "Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar."
Esta menina teve a sua curta vida dominada pelo mal, pelo demónio ou que lhe queiramos chamar, é mais do que tempo de deixar que Deus entre na sua vida; a Igreja deveria ser a primeira a abrir a porta.
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