Não compro a Visão, espreito-a no avião ou em casa de um familiar assinante. De cada vez que abro aquelas páginas, confirmo a sobranceria saloia de Ricardo Araujo Pereira, a parcialidade jurássica de J. Carlos de Vasconcelos, o copy-paste de coisas que já li na Time ou na Newsweek, uma mediocridade quase absoluta, na linha do que o jornalismo militante de esquerda nos habituou. Mas, eu disse quase. Sim, a Visão esconde semanalmente um pequeno tesouro: a crónica de António Lobo Antunes.
Não vou aqui discorrer sobre o Lobo Antunes maior escritor vivo da lingua portuguesa. Vou dizer-vos como me emociono e comovo com o Lobo Antunes da malfadada Visão. Ouso até chamar-lhe António. Numa evidente metamorfose, António usa a sua escrita, a sua melhor ferramenta, para semana a semana se ir resolvendo com o mundo. Há uma ternura, uma quase doçura, que evolui e se revela com o andar do tempo. Se no passado nem sempre assim foi, hoje a frieza e o cinismo perdem sempre para o coração, grande e aberto. António passeia-nos pelas pessoas da sua vida, do irmão João, ao humilde companheiro de armas, todos grandes, todos essenciais numa história maior que agora revê. A biografia de António não será postuma, não sairá da pena de outro, é feita da sua escrita, das suas pequenas crónicas, das pessoas e dos lugares que nos vai contando, onde nos leva entre sorrisos cândidos e lagrimas furtivas.
Oxalá pudessemos e soubessemos fazer na nossa vida este percurso sábio, de memória e reconciliação, de emoção e abertura, o António sabe-o.
Não sei quanto tempo ainda cá andará o António, Deus queira que muito. Faz falta aos seus, faz falta ao mundo enquanto homem e criador; ainda merecemos mais uns livros e muitas crónicas. Mas, se o António partisse amanhã, a imortalidade que conquistou seria sempre menor, comparada com a forma tocante como tem resolvido a sua vida.
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