sábado, 23 de agosto de 2008

As Razões do Veto ao Divórcio


Começando por uma declaração de interesses, afirmo já que simpatizo com Cavaco Silva. Creio que teve méritos enquanto Primeiro Ministro e sempre me pareceu que seria bom Presidente da República. Não me desiludi.
Tal, porém, não tolda a minha visão crítica, nem me impede de discordar dele pontualmente, como agora discordo da argumentação com que justificou o seu veto político á nova lei do divórcio.
É certo que não consultei o texto do novo articulado legal, mas parecem-me excessivamente erradas e distorcidas as motivações apresentadas pelo Sr. Presidente da Republica para a recusa da nova lei.

Confesso que não entendo que se um dos cônjuges quer o divórcio, o outro possa pretender obrigá-lo a continuar casado, mantendo a vida conjugal contra a vontade.
Não percebo tal coisa.
Menos entendo e aceito que um pretenda exercer sobre o outro cônjuge um "poder negocial" para obter vantagens patrimoniais em troca de dar o divórcio. Isso é vender ao outro o divórcio.
E acho profundamente errado que o PR defenda a manutenção desse "poder negocial" de consentir ou não com o divórcio para efeitos da divisão dos bens do casal. O casamento não é um seguro patrimonial, nem pode servir para obter do outro cônjuge mais do que cabe a cada um segundo o regime de bens que escolheram livremente ao contrair casamento.
É que, Cavaco Silva parece esquecer-se que há um regime de bens do casamento – comunhão geral, comunhão de adquiridos ou separação de bens – que os nubentes convencionam livremente quando casam, e que esse regime serve precisamente para estabelecer os modos de dispor e de partilhar os bens adquiridos antes e durante o casamento.
A meu ver, não é certo criar a expectativa de que o divórcio pode servir para uma aquisição patrimonial mais favorável do que a que resultaria da aplicação pura e simples do regime de bens escolhido pelos próprios nubentes para o efeito.

Discordo veementemente do PR nas supostas vantagens de manter, ainda que residualmente, o regime da culpa no divórcio. Não colhe minimanente a alegação de desprotecção da mulher vítima de violência doméstica: é geralmente conhecido que em semelhantes situações quem quer o divórcio é precisamente a mulher agredida, e quem não o concede é o marido agressor que deseja manter a vida em comum.
É manifesto que o regime do divórcio baseado na prova da culpa do outro cônjuge só serve para dificultar a obtenção do divórcio, prolongando a conflitualidade e o contencioso entre o casal. Para mal deles e dos filhos. Sobretudo dos filhos, que sofrem muito quando existe "guerra" entre os pais.
O divórcio a pedido de um dos cônjuges deve fundar-se em requisitos o mais simples e objectivos possível, de prova fácil, que agilizem o processo de declaração do divórcio e a partilha dos bens do casal.
A responsabilidade parental pelos filhos deve ser cometida a ambos os progenitores o mais igualmente possível, de modo a que tendencialmente as crianças passem igual tempo com o pai e a mãe. Só assim se mantêm laços fortes e sentimentos familiares de pertença entre o pai e os filhos – que são impossíveis de criar e manter nos actuais regimes de visitas de fim de semana a cada 15 dias com o pai.
Aspecto muito importante: se as crianças passarem igual período de tempo com o pai e com a mãe ao longo do ano, isso significa que cada um dos progenitores terá por igual medida o dispendio económico com o sustento quotidiano dos filhos, mas também igualitária necessidade de conciliação dos tempos de trabalho com a assistência diária aos seus filhos. O que me parece sumamente justo e o meio óptimo de resolução de boa parte dos actuais problemas laborais e conflitos familiares conexos.
Já as despesas escolares e circum-escolares dos filhos deveriam ser suportadas por ambos os pais na medidas dos respectivos rendimentos e possibilidades materiais.

Dirão os conservadores e católicos mais acérrimos que o casamento é para sempre, não pode ser dissolvido assim tão facilmente por divórcio, e que assim se quebra e destrói a familia. Aos que assim falam, contraponho:
Que me perdoem, mas tal não é verdade.
O casamento só pode durar para sempre se e enquanto os dois conjuges assim o quiserem.
Se um deles quer divorciar-se, que sentido faz manter á força um casamento contra a vontade de um dos membros do casal? Que casamento será esse? E que vida familiar haverá nessa casa? Como crescem e vivem os filhos desse casal que não se ama, não se gosta, e não se dão bem um com o outro?
Não entendo a posição daqueles que, por motivo religioso, pretendem impor a todos uma proibição do divórcio, ou, ao menos, um divórcio díficil e custoso. Os motivos e crenças religiosas de cada um são do foro intímo de cada um. O Estado não pode atentar contra elas, mas também não deve impô-las a todos. E por isso o Estado não deve impedir nem dificultar o divórcio.

Por isso, não concordo com a argumentação do Cavaco Silva para não promulgar a nova lei. Acho que o Parlamento deve rever o projecto legislativo, mas deverá manter e sustentar as linhas essenciais que aqui mencionei: consagrar o divórcio unilateral, impor a partilha de bens do casal segundo o regime matrimonial por ele escolhido ao casar, extinção do divórcio culposo, responsabilidade parental partilhada igualmente entre os progenitores incluindo a convivência quotidiana com os filhos.

Sem comentários: