Não resisto a deixar aqui um texto de finíssima ironia de Carmen Posadas sobre a "virtude" da hipocrisia social, tão em voga actualmente:
"A verdade torna-os livres, mas também os fará… profundamente antipáticos".
Assim rezava o lema de um clube secreto que funcionava na Universidade de Oxford há meio século. Os seus membros, que se faziam chamar Os Grandes Hipócritas, defendiam este rasgo do carácter humano como una virtude máxima.
Naturalmente cabe pensar que tal ideia era só um produto de uma excentricidade habitual entre estudantes elitistas, mas o certo é que se deram ao trabalho de escrever todo um panegírico da hipocrisia social que consideravam como expressão da mais alta sofisticação e boa educação. Um rasgo que impedia que as pessoas andassem por aí a expressar as suas mais íntimas (e quase sempre desagradáveis) opiniões sobre o próximo.
Eles opinavam que a hipocrisia social era o factor que mais diferenciava o Homem da besta e, portanto, um produto da sua melhor inteligência. Seria muito longo expor aqui tão original teoria, mas basta assinalar os seus pontos mais destacados já que, talvez, possam ser interessantes num mundo tão agressivo como o nosso em que o insulto é moeda de curso legal, e em que cantar as verdades se considera muito recomendável. Em contraposição a esta atitude, o Clube dos Grandes Hipócritas fazia as seguintes reflexões:
Deixando de lado a óbvia conveniência de una certa urbanidade no trato social (e ¿o que é a urbanidade senão pura hipocrisia?), apontam outras qualidades importantes atribuíveis á sua virtude preferida.
Para começar asseguravam que a hipocrisia, como arte que é, só está ao alcance dos seres mais inteligentes, daqueles que conhecem os pontos débeis do próximo e sabem como aproveitá-los em benefício próprio.
- "O hipócrita sabe quão vulneráveis são todos os humanos á adulação, e utiliza-a sem pestanejar e é lícito, perfeitamente lícito, que o faça, posto que a vaidade – ao contrario da hipocrisia - é um rasgo humano sem nenhuma faceta positiva e merece ser posta em evidência".
- "A nossa virtude favorita" continuavam os Grandes Hipócritas "sabe adoptar outros muitos disfarces interessantes para conseguir os seus fins, como quando se vale do elogio desmedido até produzir o efeito contrário ao que parece á primeira vista porque (….) a nossa virtude favorita é o doce envenenado com que se logra que o ouvinte acabe detestando o que (na aparência) se está enaltecendo. A hipocrisia, portanto, é subtil, educada, talentosa, não se defronta com ninguém e quando se vê na obrigação de dizer a verdade, recorre á ironia que é sua irmã de sangue". "Em conclusão: irmãos defendamos a existência da hipocrisia como a forma de inteligência que nos diferencia das bestas: se elas recorrem á força bruta é porque não podem valer-se do dom divino da palavra".
Deste modo concluía o original clube o seu discurso deixando no leitor a dúvida razoável de saber se falavam a sério.
Muitos anos depois, quando já quase tinha esquecido os seus postulados, encontrei uma máxima de La Rochefoucauld que me fez recordar o Clube dos Hipócritas e que aqui transcrevo por alguém poder crer que merece uma reflexão. Diz simplesmente assim: "A hipocrisia é o homenagem que o vício rende á virtude".
Carmen Posadas
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