Enguia Fresca: É bom lembrar, de vez em quando...

terça-feira, 1 de abril de 2008

José Régio, "Cântico Negro" e João Villaret. Absolutamente fantástico.

Ruah disse...: Só posso comentar este belissímo poema, tão profundamente declamada, com outro belissímo poema:

Aqui diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,

E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas
O dos facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.

E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!

Miguel Torga; 1 de abril de 2008 às 01:03
RA disse...: Excelente! Haverá alguem a dizer, gravar e publicar poesia assim hoje?; 1 de abril de 2008 às 01:04