domingo, 30 de março de 2008

A Caixa de Pandora



"Quando Zeus descobriu que Prometeu tinha conseguido roubar, para dar aos mortais, uma centelha do fogo que ele, Zeus, lhes proibira, o velho quase explodiu de raiva. Os deuses raramente o tinham visto tão furioso. A fúria durou vários dias e ninguém ousava aproximar-se dele. A ferver de raiva, decidiu enviar aos homens uma grande calamidade disfarçada de prenda excepcional. Assim, ordenou a Hefesto, o deus ferreiro, que modelasse uma bela mulher em argila. A deusa Atena ensinou-a a coser e a tecer e vestiu-a com roupas maravilhosas. A deusa Afrodite dotou-a de encantos que deslumbravam os homens e os faziam arder de desejo. Quanto a Hermes, deus dos comerciantes e dos ladrões, ensinou-a a mentir sem pestanejar, e a usar de ardis e manhas. O nome desta criatura sedutora era Pandora, que significa «aquela que possui todos os dons». Sedento de vingança, Zeus decidiu dá-la em casamento ao irmão louco de Prometeu. Foi em vão que este avisou o irmão que tivesse cuidado com as prendas dos deuses. Ao ver aquela rainha da beleza, o irmão, cheio de alegria, atirou-se àquela que lhe fora oferecida em casamento, e que, para além disso ainda trazia uma caixa cheia de prendas de todos os deuses do Olimpo. Um dia, Pandora levantou a tampa da caixa e saltaram lá de dentro as doenças, a solidão, a injustiça, a crueldade e a morte. E foi assim que os sofrimentos se espalharam pela terra."

É assombroso constatar os vários paralelismos existentes entre este mito grego de Pandora e a história de Adão e Eva e da maçã da arvore do conhecimento.
Ambos respondem inequivocamente á questão universal do sofrimento e da morte.
Em ambos, a humanidade foi castigada por querer e almejar o conhecimento: Prometeu roubou o fogo aos deuses, e o fogo é, simbolicamente, um poder de conhecimento, de evolução e de progresso. Adão e Eva sucumbiram á tentação de querer ser e saber tanto como Deus.
Ambas as histórias registam a consequente fúria e o castigo divinos: o sofrimento, a dor e a morte.
E, em ambos os mitos, o sofrimento e morte entram no mundo pela perfídia da mulher, num caso ensinada pelos deuses para praticar o mal, e noutro caso, incitada pelo Maligno disfarçado de serpente.
No mito de Pandora, os deuses dotam a mulher de beleza, encanto, inteligência e esperteza, e artes manuais, ou seja, dotaram-na de superlativas qualidades. Só que, esses dotes nunca são como tal classificados, mas sim como atributos do Mal. Em ambas as histórias o homem não alcança tais virtudes, antes lhes sucumbe.
É sabido como a tradição judaico-cristã sempre responsabilizou Eva – e nela toda a mulher - pelo pecado original, erigindo Adão em vítima de engano e das tentações da Mulher.
Ao longo dos séculos, a mulher foi penalizada pelo estigma da culpa no pecado original, e as suas qualidades embaciadas pela privação de conhecimento, pelo maior desgaste fisico e envelhecimento mais rápido.
Durante séculos, a sociedade hierarquizou o homem e a mulher e estabeleceu diferenças de género baseadas no mito de Pandora e da maçã do paraíso.
Hoje em dia, fruto de recente evolução de mentalidades, a mulher já não se vê privada de ir á escola e á universidade, e adquiriu em paridade os mesmos direitos cívicos. Graças aos avanços da Medicina, em particular na assistência médica e medicamentosa, a mulher ganhou qualidade de vida. Pense-se como, nos seus aspectos básicos e essenciais, é substancialmente diferente a vida de uma mulher de hoje, e de uma mulher (mesmo rica e educada) dos séculos XVIII ou XIX, sobretudo no acesso á educação, na possibilidade de trabalhar e de viver independente do pai ou do marido, no controlo dos nascimentos, no parto sem dor, etc…
Nos nossos dias, também a Igreja realça que o Homem e a Mulher foram criados á imagem e semelhança de Deus, iguais essa semelhança e iguais em dignidade e direitos, e desvaloriza a história da maçã e da responsabilidade de Eva.

O que resta hoje do mito da caixa de Pandora e da maçã de Eva ?
Demasiado: as doenças, a solidão, a injustiça, a crueldade, os sofrimentos e a morte espalhadas pelo mundo em resultado da ambição e da soberba da humanidade.

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