A actual agitação no Tibete constitui o maior desafio á dominação chinesa dos últimos 20 anos, mas é também um sério teste á autoridade do Dalai Lama sobre os seus seguidores, sobretudo no que toca a manter a doutrina da não-violência.
Isso tornou-se claro, ontem, quando o líder espiritual do Tibete ameaçou "abdicar" se a escalada de violência continuar, e insistiu que a independência do Tibete está "fora de questão", apelando ao povo tibetano para que viva "lado a lado" com os chineses.
Os chineses são paranóicos com o Dalai Lama pelas mesmas razões pelas quais o resto do mundo o respeita e admira: como o líder espiritual - humilde e persuasivo – de uma das principais religiões mundiais, cuja falta de poder temporal não diminui o seu carisma. O Dalai Lama é a principal causa do insucesso dos métodos chineses de colonização étnica, já provados eficazes com outras minorias. Não só a cultura tibetana é demasiado distante da chinesa para a pretendida assimilação, como também o Dalai Lama personifica a lealdade religiosa da nação tibetana, que o Estado chinês não logra alcançar nem superar.
Mas, esta ameaça de "abdicar" é um claro esforço do Dalai Lama para conservar a liderança sobre 6 milhões de tibetanos, (300.000 dos quais vivem no exílio).
O problema é que muitos jovens tibetanos, quer no Tibete (onde se ressentem dos numerosos "imigrantes" de etnia chinesa), quer no exílio, (onde se sentem desenraízados e sem esperança), começam de certo modo a contestar o líder. Note-se que respeitam o laureado com o Prémio Nobel da Paz, bem como o seu credo monástico de não violência, mas também apontam o sucesso das lutas independentistas de Timor Leste e do Kosovo, ambos reconhecidos internacionalmente como Estados soberanos, depois de usarem a força contra os seus ocupantes estrangeiros.
A vasta maioria dos tibetanos reverencia o Dalai Lama como o seu lider religioso, e não questiona a sua supremacia sobre o Panchen Lama e o Karmapa Lama, respectivamente, o segundo e terceiro na hierarquia budista tibetana. Mas, quanto mais conciliador o Dalai Lama se mostra com a China, mais questionam o seu papel como líder político.
Conquanto lhe seja teologicamente impossível abdicar – o Dalai Lama é a reincarnação do seu predecessor – a ameaça chamou a atenção para o cerne da crise actual: o que sucederá se ele morrer ou abdicar ?
O Dalai Lama continua a ser a figura política proeminente de um movimento cujo objectivo não é governar, mas preservar a cultura tibetana tal como era antes da invasão e ocupação chinesas em 1950. E, por isso, ele encontra-se cada vez mais sem contacto com as novas gerações de tibetanos que cresceram no Tibete ocupado, ou entre a India, o Nepal e o Ocidente. A consequência mais provável do seu desaparecimento seria pois que, sem líder unificador, o movimento tibetano fragmentar-se-ia em grupos políticos regionais.
E, a julgar pela crise actual, a ala "radical" tornar-se-ia atraente para os jovens tiberanos de ambos os lados da fronteira. Isso deveria constituir uma preocupação para o Dalai Lama, mas também para os líderes chineses.
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