quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

SORRY...




22.30, dia 12 de Fevereiro, sento-me no sofá, exausta, a fazer zapping. Automaticamente vou passando de canal em canal sem prestar grande atenção. Paro na CNN só porque aparece a palavra mágica: “Breaking News”. Assisto, atenta e atónita, ao discurso de abertura do Parlamento australiano proferido pelo Primeiro-Ministro Kevin Rudd. Inicialmente não percebi o que se passava! Ele está pedir desculpas? A quem? E porquê?
De uma forma eloquente e emocionada o Primeiro-Ministro relata a politica seguida por sucessivos governos australianos que levaram a que cerca de 100.000 crianças aborígenes, entre 1910 e 1970, fossem retiradas às suas famílias, em nome de uma politica de assimilação, para serem educadas por famílias brancas.
“There is something terribly primal about these first-hand accounts, the pain is searing, it screams from the pages, the hurt the humiliation, the degradation and the sheer brutality of the act of physically separating a mother from her children is a deep assault on our senses and on our most elemental humanity,'' Que crueldade!Fala de casos concretos, de pessoas reais, de como foram privadas dos seus direitos humanos fundamentais só porque se acreditava que eles eram um povo maldito, incapaz de se governar. E, em nome do governo Australiano, pede desculpa.
A câmara alterna entre o PM e a plateia: vêem-se pessoas de olhos molhados, pessoas a esconderem o rosto, pessoas a chorar, pessoas de todas as cores e raças.
Não posso deixar de ficar emocionada e ao mesmo tempo chocada. Não posso deixar de pensar na desumanidade latente em cada um de nós. Não posso deixar de pensar na minha pequenez e no quanto sou limitada.
Poderia fazer uma série de considerações sobre o comportamento destas pessoas; arrogar-me em moralmente superior, mas interrogo-me sobre o que faria e o que pensaria se fosse membro de uma família branca Australiana ou de uma família nazi alemã. Provavelmente seria uma acérrima defensora das teorias e das politicas racistas e segregacionistas propagadas nestes tempos ou, mesmo que não concordasse teria sido uma espectadora indiferente perante a barbárie.
O que mudou?
Nada, ou quase nada. Bem no âmago da humanidade continuamos a ser irracionais, animalescos, ignóbeis perante o medo do Diferente. Basta pensarmos na Guerra dos Balcãs ou massacre do Ruanda. Isto é assustador!
Correndo o risco de ser politicamente incorrecta, acredito que a educação cristã ao incentivar a vivência de valores como a fraternidade, a caridade, o perdão; ao defender a dignidade de todo e qualquer homem seja qual for a sua condição, é um poderoso antídoto contra a desumanidade latente em cada um de nós.
Penso nos Profetas, homens mulheres comuns que ao longo de séculos de história denunciaram politicas iníquas e injustas de reis e governantes; que se levantaram contra as atrocidades cometidas contra o ser humano; que defenderam os mais fracos, os oprimidos e foram a voz da verdade em tempos de ódio e guerra. Penso neles porque espero ter a capacidade de ser como eles para que daqui a umas décadas não tenha de pedir desculpa pelas atrocidades com as quais foi conivente.
Vêm-me à memória um filme de Charlie Chaplin,:”O Grande Ditador”, lançado pela primeira vez em 15 de Outubro de 1940 no qual ele satiriza o nazismo e o fascismo. De consciência social intensa, o filme critica a apologia do cidadão que, por patriotismo, tolera o assassinato de milhões de judeus. Parece uma piada irónica: Chaplin mostrava a perseguição aos judeus quando isso ainda era visto como um absurdo exercício de imaginação para algumas pessoas. “O Grande Ditador” é profético.
Ironia das ironias, devido a este filme ele é expulso dos Estados Unidos.
Termino, esta já longa reflexão com o discurso final deste filme. Discurso extremamente actual, no qual o barbeiro, disfarçado de Ditador, faz a apologia de um mundo verdadeirmente humano.

“Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar - se possível - judeus, o gentio... negros... brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém extraviamo-nos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas sentimo-nos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Os nossos conhecimentos fizeram-nos cépticos; a nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo fora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: "Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Hannah, estás a ouvir-me? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos a saír das trevas para a luz! Vamos entrar num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança.
Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!”

Charles Chaplin

1 comentário:

Anónimo disse...

Pelo menos, há agora perdão e reconciliação. Não apaga o passado mas pode ajudar no futuro. Muito bem escrito. Churchill disse que aqueles que não querem lembrar os horrores da história arriscam-se a repeti-los.