A Igreja Católica vive hoje sob um dos ataques mediáticos mais cerrados de que há memória. A gestão deste ataque é rigorosa e implacável. A cadência meticulosa das notícias, o ordenamento temporal e geográfico das denúncias revelam um plano maior e muito bem orquestrado.
Jacobinismo militante e maçónico? Os lobbies judaicos que investem milhões em investigações centradas na descredibilização de Cristo? Forças subversivas do Islão?
Francamente, pouco importa.
Francamente, o mais grave é existirem ou terem existido casos de pedofilia e abuso sexual a partir de actores da Igreja de Cristo. Podem não ser todos os que a conta-gotas a imprensa revela, mas serão certamente muitos, sempre demasiados e horrendos. Sempre uma negação de tudo o que Deus espera do homem, uma indignidade inqualificável.
A resposta da igreja dos homens não tem sido a melhor. Sabemos que o tempo e o modo da Igreja não é o tempo dos jornais, seria injusto não reconhecer que o Papa Ratzinger iniciou uma cruzada de reparação e arrependimento.
Contudo, como católico, acho deploráveis as declarações de ontem do Cardeal Bertone reduzindo a pedofilia a uma doença e ligando-a "cientificamente" á homossexualidade. A pedofilia, mais do que uma doença, é uma tara hedionda e um crime horrível. Tentar um conexão com a homossexualidade é uma perversão que esquece, por exemplo, as milhares de vitimas femininas que neste caso só não são mais por não poderem frequentar os colégios e seminários de acesso exclusivo masculino. Não há uma única consideração conhecida, muito menos um julgamento, de Cristo sobre os homossexuais (também eram muitos e notórios na época), mas o Cardeal Bertone sente a legitimidade do cargo que ocupa para impunemente proferir as aberrações que lhe passam pela cabeça... Uma vergonha.
De todo este negro capítulo, só se pode pedir justiça; que se punam exemplarmente os culpados, que se repare na medida do possível o mal feito ás vítimas.
Confesso que estes dias não são os mais fáceis para um católico. Não escondo a cabeça na areia e não nego que vivemos dias de profunda decepção com muitos dos que representam a Igreja, que descobrimos horrores novos depois dos antigos das cruzadas e da inquisição. Que o desgosto para quem é Igreja é profundo.
Mas, poderá tudo isto apagar da história tudo de bom que a Igreja fez, faz e é? Poderá a igreja dos homens fazer esquecer a verdadeira Igreja de Cristo?
A resposta, evidentemente, é não.
Não podemos esquecer que a reserva de valores morais que ainda nos regem têm génese no modelo cristão.
Não podemos ignorar que a Igreja é a voz mais forte ao lado dos mais fracos, dos mais desafortunados. João Paulo II e Bento XVI são símbolos de combate á miséria, á guerra, á exclusão. Nos cenários de guerra há gente da Igreja ao lado dos mais desprotegidos sem olhar a facções. Em África, a Igreja está envolvida nos projectos de desenvolvimento social mais relevantes, nas condições mais extremas, dando de si sem pensar em si. Seria uma terrível injustiça ignorar estes milhares de santos anónimos.
Não podemos obliterar o papel assistencial que a Igreja teve ao longo dos tempos, agindo onde o estado não agia, criando redes que foram as bases de um estado social mais justo e plural. Foi assim na saúde, no apoio a idosos, no apoio á infância, á deficiência, na solidariedade social.
Por fim, para os crentes, a Igreja de Deus tem o insubstituivel papel de guia, de acolhimento, de encontro, de profundo conforto espiritual.
Eu não desisto desta Igreja, tem-me dado muito sem nada me pedir ao longo da vida. As verdadeiras propostas do Filho de Deus são intemporais e são-nos renovadas todos os dias.
As três virtudes teologais são: Fé, Esperança e Caridade. Não há aberrações que as possam ensombrar.